Ousando ser

Estamos vivendo um tempo novo, um tempo de despertar. Estávamos mergulhados no silêncio, convivendo com as insatisfações, apenas criticando, sem qualquer atitude que mudasse tal situação. De repente, algo aconteceu e,tal como uma gota de água num copo cheio, transbordou. As aguas limparam os olhos e uma força se apoderou de todos nós.
O conformismo já fazia parte do dia-a-dia de muitos. Eis que este ponto de aplicação se alterou. De conformistas insatisfeitos, passamos a rebeldes com causa, uma enorme transformação.
Rebeldia! Parece ser a palavra da hora. A rebeldia nos leva a nos comportarmos acima de tudo e de todas as temeridades.
” Uma arvore frondosa que emerge entre pedras, num terreno considerado inóspito seria uma rebelde. Um peixe que teima em vencer a correnteza seria tambem uma criatura rebelde. Adar e dançar na chuva seria sem dúvida próprio de pessoas rebeldes…. Quando um lírio nasce num pântano fétido, ai sim seria uma brava rebeldia”. (Luis Soares)
Muitos comportamentos são considerados rebeldes,pois vão contra ao que sempre quiseram fazer do ser humano, um produto criado sem vontade própria. Entretanto, a rebeldia só pode existir com ousadia que, por sua vez, depende da coragem e da responsabilidade. Há necessidade de planejamento e consciência do limite que nos colocamos. Quem ousa tem a certeza de que pode executar, se lançar ao novo sem qualquer tipo de medo. Por acaso é possível construir ousadia com temores?
Queremos ser livres e imaginamos que liberdade é viver sem problemas ou desafios. Não! A liberdade exige barreiras e é na ultrapassagem delas que nos sentimos e nos tornamos livres.
Precisamos ousar ser o que construimos; o que imaginamos ser, pois o que somos é resultado de nossa própria criação. Apenas nós mesmos podemos romper os antagonismos que ainda nos tornam escravos.
Devemos examinar o que ainda nos mantem presos, o que nos impede de ousar ser uma pessoa melhor; o que nos coloca numa situação limitada. Somos seres dotados de inteligência e, portanto, podemos alçar vôos mais altos. Na vida pessoal, na profissão, nas relações interpessoais, na política, não importa a area, devemos ousar fazer aquilo que julgamos mais coerente conosco e não repetirmos padrões impostos por outros.
Sejamos ousados na criação de nosso Eu. Só poderemos estar inteiros e ímtegros se escutarmos o nosso eu e decidirmos agir por este viés.
É hora de ousar! É hora de mudar! É hora de acreditar em nós mesmos como criadores da vida!!!

Efêmero, por Letícia Thompson

Se pudéssemos ter consciência do quanto nossa vida é efêmera, talvez pensássemos duas vezes antes de jogar fora as oportunidades que temos de ser e de fazer os outros felizes.
Muitas flores são colhidas cedo demais. Algumas, mesmo ainda em botão. Há sementes que nunca brotam e há aquelas flores que vivem a vida inteira até que, pétala por pétala, tranqüilas, vividas, se entregam ao vento.
Mas a gente não sabe adivinhar. A gente não sabe por quanto tempo estará enfeitando esse Éden e tampouco aquelas flores que foram plantadas ao nosso redor. E descuidamos. Cuidamos pouco. De nós, dos outros.
Nos entristecemos por coisas pequenas e perdemos minutos e horas preciosos. Perdemos dias, às vezes anos.
Nos calamos quando deveríamos falar; falamos demais quando deveríamos ficar em silêncio. Não damos o abraço que tanto nossa alma pede porque algo em nós impede essa aproximação. Não damos um beijo carinhoso “porque não estamos acostumados com isso” e não dizemos que gostamos porque achamos que o outro sabe automaticamente o que sentimos.
E passa a noite e chega o dia, o sol nasce e adormece e continuamos os mesmos, fechados em nós. Reclamamos do que não temos, ou achamos que não temos suficiente. Cobramos. Dos outros. Da vida. De nós mesmos. Nos consumimos.
Costumamos comparar nossas vidas com as daqueles que possuem mais que a gente. E se experimentássemos comparar com aqueles que possuem menos? Isso faria uma grande diferença!
E o tempo passa…
Passamos pela vida, não vivemos. Sobrevivemos, porque não sabemos fazer outra coisa.
Até que, inesperadamente, acordamos e olhamos pra trás. E então nos perguntamos: e agora?!
Agora, hoje, ainda é tempo de reconstruir alguma coisa, de dar o abraço amigo, de dizer uma palavra carinhosa, de agradecer pelo que temos.
Nunca se é velho demais ou jovem demais para amar, dizer uma palavra gentil ou fazer um gesto carinhoso.
Não olhe para trás. O que passou, passou. O que perdemos, perdemos.
Olhe para frente!
Ainda é tempo de apreciar as flores que estão inteiras ao nosso redor. Ainda é tempo de voltar-se para dentro e agradecer pela vida, que mesmo efêmera, ainda está em nós.
Pense!… Se você está lendo esta mensagem é porque ainda tem tempo!!!
Não o perca mais!…

Momentos da consciência e Liberdade.

Tereza Erthal

Para nos tornarmos pessoa, passamos por vários momentos de consciência. Antes do nascimento da autoconsciência, a criança experiencia a inocência. Neste período, não há questionamentos porque não existe ainda a capacidade de reflexão. A liberdade é “renunciada” por não poder reagir, cedendo uma parcela do seu direito de existir como ser humano, adaptando-se a esta rendição. Claro que na criança isso de fato ocorre, mas também a vemos em adultos que simplesmente abrem mão da liberdade de escolha. Depois vem a rebeldia, estágio que surge quando a pessoa trava uma luta para libertar-se. Surge o ódio e o ressentimento contra aqueles que o forçaram a renunciar a liberdade. Na criança os comportamentos rebeldes vão desde o fracasso escolar, quanto mijar na cama numa idade em que o controle já deveria acontecer. “ Fui dominado,mas agora eu os odeio”, esta seria a sentença que traduziria bem este momento. Trata-se de uma transição necessária para romper com velhos padrões, essencial para o nascimento da pessoa livre, mas precisa ficar claro que rebeldia não é o mesmo que liberdade. É mais uma reação a algo que se está em dissonância.
Mais tarde, surge a chamada autoconsciência comum. Aqui existe uma espécie de auto exame, onde os erros, preconceitos e culpas são avaliados. A ansiedade resultante serve para aprender a tomar decisões com certa responsabilidade.
Contudo, existe outro momento posterior mais raramente sentido: o “insight”.Uma espécie de organização interna sobrevem de súbito, sem que se saiba de onde. A atividade científica está cheia deles. Uma espécie de vislumbres da verdade objetiva que não aparece por acaso. Na verdade, a mente da pessoa está tão focada no problema em questão, que todas as informações, antes soltas, parecem adquirir um elo e, como num passe de mágica, clarificam o resultado.
Neste último estágio de consciência, a pessoa sente uma nova perspectiva, fora do ponto de vista habitual. Considerando que não enxergamos o mundo de forma límpida e clara, mas distorcida por nossas percepções, por nossa subjetividade, a dicotomia subjetividade/objetividade nos persegue. Cada um de nós experiencia o mundo de uma forma pessoal, interpretando-o de acordo com seu próprio mundo particular. Por meio do insight, ou intuição, aproximamo-nos de uma verdade mais objetiva da realidade, ou uma nova possibilidade ética ( um amor desapegado,por exemplo).

“ A vida ocupa-se tanto em perpetuar-se como em ultrapassar-se. Caso se limite a conservar-se, então a vida é apenas não morrer, e a existência humana não pode ser distinguida de qualquer absurdo vegetal…” (Simone de Beauvoir)

As figuras criativas vivenciam mais frequentemente esta autoconsciência refinada, enquanto a maioria a vive esporadicamente, em um momento especial, como uma experiência amorosa que lhe retira temporariamente da rotina diária. Inesperadamente, vê-se o mundo de cima e tudo parece fazer sentido. Distingue-se a verdade não ofuscada pelos preconceitos e assim, podemos amar aos outros sem exigir qualquer tipo de troca. Na verdade, existe uma espécie de esquecimento de si enquanto personalidade umbilical, neste momento criativo, pois o que há é a total absorção naquilo que estamos realizando. Isso norteia a visão das ações futuras. Infelizmente, este estágio exige muita disciplina e perseverança, exigindo, da mesma forma, um momento de tranqüilidade. Interessante notar a descrição que Nietzsche fez de Goethe: “ Ele disciplinou-se até chegar à plenitude, ele criou a si mesmo…”
Nietzsche é um exemplo interessante quando examinamos o ódio como resposta à restrição de liberdade. Filho de pastor protestante, morto quando ele ainda era criança, foi educado rigidamente por familiares, numa atmosfera coercitiva de seu background alemão. Via que a sociedade estava repleta de ressentimentos recalcados e reafirmou que este ressentimento estava no centro de nossa moral. Para ele, antes de conquistar a verdadeira liberdade é preciso encarar o ressentimento de frente, talvez, como ele fez, transformar este ódio em alguma força criativa propulsora, usando-o como motivação para a reconquista da liberdade perdida. Evidentemente, o ódio e o ressentimento fornecem uma capa protetora temporária da liberdade sentida, mas claro é também que será necessário usá-los para conquistar a dignidade, caso contrario destruirão a pessoa.

Mas o que é liberdade? É um aspecto da auto-consciência, pois se não tivermos consciência de nós mesmos, seremos impelidos pelos instintos ou pela história automática presente em nossas vidas. Pois à medida que as pessoas adquirem mais autoconsciência, a liberdade e escala de opções aumentam proporcionalmente. E cada exercício da liberdade amplia o âmbito da personalidade.
Mas para a conquista da liberdade é mister que exista a opção por si mesmo, de acordo com Kierkegaard. Tal expressão afirma a responsabilidade total por nosso Eu, aceitamos a responsabilidade por nossa própria existência, algo semelhante ao que Nietzsche chamou de “ vontade de viver” .Cabe a cada um fazer as opções fundamentais em sua vida. A pergunta agora é: como fica o amor?
O verdadeiro problema da atual humanidade é o de aprender a amar, tornar-se capaz de amar. Alguém capaz de realizar este intercâmbio amoroso pode ser visto como alguém realizado, mas isso só vale para os que atingiram a independência. A maioria dos relacionamentos humanos surge de um conjunto de motivos e de diferentes sentimentos. O amor sexual é um exemplo desta mistura. Há milênios, Platão imaginou o “Eros” como um impulso em direção ao complemento de si mesmo; o impulso sexual que faz parte da realização de um indivíduo.
Hoje, com a herança de quatro séculos de individualismo competitivo, cujo objetivo é ter poder sobre os demais, nossa geração ficou refém da ansiedade, isolamento e vazio pessoal, nada animador para a busca do amor. Muita confusão tem se criado em torno do conceito que fica difícil defini-lo. Varias formas de dependência afetiva são vistas como amor, o que não é verdade. Quando o amor é chamado com a finalidade de vencer a solidão, por exemplo, o resultado é o vazio de ambos .Só se pode amar na medida da própria independência. Algo semelhante ao que Sartre disse na sua segunda fase: quanto mais livre formos, no sentido de tanto nos sabermos livre, quanto em exercermos esta liberdade, mais permitimos que o outro o seja. Isto explica o encontro de seu grande amor aos 60 anos,quando decidiu até se casar,indo contra a própria teorização que defendia antes. O amor revoluciona! Mas é preciso ser livre antes.
O medo de se perder no outro,quando se experiencia tal sentimento, é comum apenas naqueles que ainda não conquistaram a si mesmos. Existe uma fusão, mas está longe de levar ao risco de perder-nos. É o momento de auto-realização que ultrapassa a barreira entre uma identidade e outra. O dar-se e o encontrar-se se dão no mesmo instante. Já não existe mais a guerra entre as consciências envolvidas, já que o poder sobre o outro não está mais presente. O que se quer é proporcionar alegria ao parceiro, e isso só acontece quando existe esta alegria na pessoa doadora.
Assim, uma vez que a consciência evolui, permite sempre mais a liberdade. E quando nos percebemos livres, ou pessoas construtores eternos desta liberdade, estamos aptos para amar em sua plenitude.

O PERCEBIMENTO COMO JANELA PARA O AUTOCONHECIMENTO.

Vamos falar de consciência. Trata-se do campo total onde funciona o pensamento e existem as relações. Todos os motivos, intenções , temores, inspiração, anseios, esperanças, dores, alegrias, se encontram nesse campo. Mas as pessoas estão acostumadas a dividir a consciência em ativa e latente, isto é, na superfície estariam todos os pensamentos, sentimentos e atividades de cada dia e, abaixo deles, o chamado inconsciente ou subconsciente, abrigando as coisas que não nos são familiares e que se expressam via sonhos, intuição ou sugestão.
Existiria mesmo esta parte latente em nós? Por que razão atribui-se a esta parte uma grande importância? Seria possível ficarmos completamente cônscios de todo o campo da consciência e não apenas de uma parte? Se pudermos, a atenção será completa e não há atrito.
As pessoas vivem de maneira fragmentária; são uma coisa no trabalho e em casa, outra coisa. Fala-se de amor aos demais, mas estão se matando em competições. Você está cônscio desta consciência fragmentária no seu interior? Seria possível ao cérebro, que dividiu o seu próprio funcionamento, o seu pensar em fragmentos, tornar-se cônscio do campo inteiro? É possível poder olhar o todo da consciência completa?
Examinando cada pensamento, sentimento e motivo, nos veremos enredados no processo analítico, que levará tempo. Talvez este não seja o caminho para fazermos sozinhos, pois teremos que lidar com toda a forma de deformação, já que o “ eu” é uma entidade complexa que vive, luta, deseja e nega. Mas como então? Podemos dizer que a única maneira de olharmos pra nós mesmos é fazê-lo totalmente, imediatamente, fora do tempo. Mas isso só pode ser possível sem uma mente fragmentada. O que é visto em sua totalidade é a verdade.
Nunca olhamos para nós mesmos de fato, nunca! Lançamos a culpa no outro, satisfazemo-nos com explicações ou temos medo de olhar. Se pudermos aplicar toda a nossa atenção, todo o nosso ser, tudo que temos, nossos olhos, ouvidos e nervos, estaremos atentos com o mais completo autoabandono e não haverá mais lugar para o medo,contradição e,consequentemente, não haverá conflito.
É preciso deixar claro que atenção não é o mesmo que concentração. Esta é exclusão, enquanto a atenção é o percebimento total que nada exclui. A maioria das pessoas não está cônscia do seu ambiente, das suas cores, das pessoas ao seu redor, das árvores, etc. Estão tão interessados em seu insignificante problema, em suas próprias idéias, seus prazeres, que não ficam objetivamente cônscios. Não estão conscientes nem das coisas interiores, nem das exteriores. Para compreendermos uma pessoa, por exemplo, temos que dispensar-lhe toda a nossa atenção, e isso é percebimento. É o estado de atenção total e nesse percebimento se revela a totalidade de nós mesmos, instantaneamente.
Costumamos pensar de forma comparativa: feliz/infeliz, triste/alegre,etc. E estes estados são classificados assim em comparação ao estado da mente de alguém.Quando alguém diz que sua mente é limitada, comparou a sua mente com a de alguém mais brilhante. Podemos conhecer a nossa pequenez sem comparação? Sentindo fome, não precisamos comparar essa fome com a que sentimos ontem. A fome de ontem é somente uma idéia, uma lembrança.
Se estamos sempre nos comparando a outros, estamos negando a nós mesmos. Logo, estamos criando uma ilusão e um sofrimento maior ainda. A mente precisa parar de buscar. Isso não significa que estamos satisfeitos com as coisas como são, mas que não temos ilusão alguma. O que abre a porta é o percebimento e a atenção diários ( da maneira como falamos, do que dizemos, de nossa maneira de andar, do que pensamos. Observar o estado da mente sem tentar moldá-lo, sem ser parcial, sem julgar ou justificar. Isso significa estar vigilante o tempo todo e ai sim podemos dizer que, em razão do percebimento, uma porta se abriu e uma nova dimensão de consciência aparece, onde não existe conflito, nem tempo. Esse é o caminho para o autoconhecimento.

A BUSCA DO HOMEM
Tereza Erthal

Sempre houve uma constante indagação a respeito do significado da vida. Qual a finalidade de tudo isso? Tem a vida alguma significação? Diante de tanta brutalidade, confusão, revolta, guerra, divisão religiosa, ideologias em choque, etc, pergunta o ser humano, com profunda frustração, o que é isso que se chama viver?
Na batalha constante chamada “vida”, procuramos estabelecer um código de conduta, de acordo com a sociedade onde fomos criados. Aceitamos um padrão de comportamento como parte de nossa tradição. Esperamos que alguém nos diga o que é certo ou errado, justo ou injusto e, na observação deste padrão, nossa conduta se torna mecânica, automática. Busca-se amparo em autoridades, livros, santos… Não somos originais. Temos vivido das coisas que nos são ditas, ou guiados por nossas inclinações, ou mesmo impelidos a aceitar as circunstâncias ou ambiente. Acabamos sendo o resultado de toda uma gama de influência, cerceando a nossa originalidade, forçando a mente a ajustar-se a padrões estabelecidos. O que se acha ai em meio a este ajuste? O que se acha é a conformidade com sua própria deformação.
O caminho ensinado tradicionalmente tem sido da periferia para dentro, ou seja, através do tempo, atingir gradualmente a íntima beleza e amor. Seria um processo de retirar as camadas, uma a uma, precisando do tempo, o amanhã, porque nossa mente se tornou embotada e insensível. Não haveria outro caminho, aquele que explodiríamos do centro?
O mundo aceita o caminho tradicional que aponta a realidade prometida por outrem, seja na profissão escolhida, na religião, na política, etc. Seguimos a todos que nos prometem uma vida confortável. Podemos até ser contrários à tirania política e à ditadura, mas interiormente aceitamos a autoridade, a tirania de outrem. Sua negação nos faria sentir como seres solitários, afastando a possibilidade de sermos seres respeitáveis.
Podemos rejeitar o caminho tradicional, mas ainda assim, se o rejeitarmos como reação, estaremos criando um padrão que nos aprisionará como uma armadilha. Não se trata então de uma simples rejeição o que funciona, mas a compreensão de quanto ela é estúpida e imatura, rejeitando com inteligência, porque somos livres. Tudo está relacionado ao buscar. A primeira coisa que temos que aprender é não buscar. Buscando, agimos como se estivéssemos apenas olhando vitrines.A compreensão de si próprio é o começo da sabedoria.
Krishnamurti diferencia ente humano de individuo: pra ele o individuo é local, o habitante de qualquer país, pertencente a alguma cultura, sociedade. O ente não é uma entidade local, pois está em toda a parte. Se agimos num só canto, isolados do vasto campo da vida, nossa ação está totalmente desligada do todo. O indivíduo é aquela insignificante entidade condicionada, aflita, frustrada; já o ente humano está interessado no bem estar geral, no sofrimento geral e na total confusão em que se acha o mundo. Psicologicamente o indivíduo não mudou em nada, ao longo da evolução. A estrutura da sociedade foi criada por indivíduos. O progresso exterior existe, pois passamos de carros de boi ao avião; contudo, a estrutura social exterior é o resultado da estrutura psicológica interior, pois o indivíduo é o resultado da experiência, da conduta do homem englobadamente. Cada um de nós é o depósito de todo o passado; toda a história humana está escrita em nós.
A cultura da competição com seu desejo de poder, de posição, prestigio, etc, tem originado muitos conflitos em todas as formas de relação, suscitando verdadeiros antagonismos. Mas esta vida é tudo o que conhecemos e não compreendendo a enorme batalha da existência, acumulamos medo e tentamos fugir da vida de diversas formas. Desenvolvemos o medo do conhecido, assim como do desconhecido, tal é a nossa vida diária. Nesta vida, qualquer filosofia representa uma mera fuga à realidade do que é.
Todas as formas de mudança produzidas pelas guerras, revoluções, revoltas e ideologias não conseguiram mudar a natureza do homem e, consequentemente, da sociedade. Poderíamos perguntar se esta sociedade baseada na competição pode terminar, não como conceito intelectual, mas como fato real. Creio que isso só ocorrerá se cada um de nós reconhecer o fato central de que, como indivíduos, como seres humanos, seja de qual parte do universo vivamos, não importando a que cultura pertençamos, somos inteiramente responsáveis por toda a situação do mundo.
Somos sim, cada um de nós, responsáveis por todas as guerras, gerada pela agressividade de nossas vidas, pelo nosso nacionalismo, preconceitos, ideais, pois é isso que nos divide. Somente quando realmente percebermos, não intelectualmente, mas realmente, que somos responsáveis por todo este caos, através das nossas vidas diárias e porque fazemos parte desta doente sociedade, só então podemos agir. Mas o que podemos fazer para criar uma sociedade totalmente diferente? Homens sofisticados no-lo tem dito, mas não nos levaram muito longe. Isso porque a verdade não tem caminho, daí a sua beleza; ela é viva. A verdade se move, não tem pouso, nem templo, nem instrutor, nenhum filósofo pode levar-nos a ela. Esta coisa viva é o que realmente somos- nossa irascibilidade, brutalidade, sofrimento em que vivemos. Na compreensão de tudo isso se encontra a verdade. A compreensão surge quando olhamos tais coisas de nossas vidas e não através de uma ideologia, conjunto de palavras, esperanças ou temores.
Não podemos depender de ninguém. Só existe nós, nossa relação com outros e com o mundo e nada mais. Mas ao perceber este fato, ou se produz um grande desespero, causador de pessimismo e amargura, ou, enfrentando o fato de que somos os responsaveis pelo mundo e por nós mesmos, desaparece de todo a autocompaixão. Adoramos culpar o outro, uma forma de autocompaixão.
Portanto, o importante não é uma filosofia de vida, mas observarmos o que de fato está acontecendo em nossa vida diária, interior e exteriormente. Podemos ver que tudo se baseia num conceito intelectual. Mas o intelecto não constitui o campo total da existência. Quando consideramos o que está acontecendo no mundo, começamos a compreender que não há processo interior e exterior. O que há é um processo total, sendo que o movimento interior se expressa exteriormente, e o movimento exterior, por sua vez, reage ao interior. É preciso apenas olhar e o ato de olhar não depende de nenhuma filosofia.
A maioria das pessoas não deseja mudar, principalmente os que se acham em relativa segurança, social ou econômica, ou que conservam crenças dogmáticas e se satisfazem em aceitar a si próprios e às coisas tais como são. Você pode dizer que é dificílimo e ai já fechou o caminho, já parou de se investigar. Outro diz que está na busca de um caminho para empreender esta mudança. Neste caso, não é a transformação que interessa, mas a busca de um método capaz de efetuar a mudança. A ordem imposta de fora gera, necessariamente, a desordem.
Temos que mudar completamente, desde as raízes de nosso ser. Quando rejeitamos algo falso que trazemos conosco há gerações, o que acontece? Ficamos com mais capacidade, mais ímpeto, mais intensidade e vitalidade. Se não sentimos isso, não largamos a carga, a autoridade. Necessitamos de uma ampla gama de energia e a dissipamos com o medo ( de não agir corretamente). Contudo, a energia que surge depois de eliminarmos todas as formas de medo, produz uma revolução interior.
Fiquemos a sós conosco mesmo, e este é o estado que convem ao homem que considera a serio estas coisas. Sem a ajuda de pessoas ou coisas, surgem as descobertas. Quando há liberdade, há energia; quando há liberdade, ela não pode fazer nada errado. Não há agir correta ou incorretamente, quando há liberdade. Por conseguinte, não há medo, e a mente sem medo é capaz de tudo, de um infinito amor. E o amor pode fazer o que quer.
O que agora vamos fazer é aprender a conhecer-nos, não de acordo com um analista ou filósofo; porque se o fazemos de acordo com outra pessoa, aprendemos a conhecer essas pessoas e não a nós mesmos. Vamos aprender o que somos realmente. Boa sorte nesta rica viagem!!!

A pedidos,apresento uma sistematização da Psicoterapia Vivencial.

Existencialismo: teoria e prática.
Tereza Erthal*

De acordo com Bornheim(em Erthal,1992), o homem atual está andando
na corda bamba que se estende entre a segurança do humanismo
triunfante, em busca de um eu autônomo,e, de outro extremo, os
discursos sobre a dissolução do eu, sobre a robotização e a fuga que
empurra o homem a sentir-se deslumbrado em deixar-se ser objeto.
Historicamente, a ponderação sobre o humano é a ultima a surgir; antes
vieram os astros. Mas cada cultura inventa um homem e uma concepção
da realidade humana afastada da fixidez dos astros. Os que buscam
compreender o homem, tentam desenvolver concepções para entender as
expressões de sua instabilidade, interpretando a realidade humana como
um conjunto de possíveis. Na verdade, são muitas as perspectivas de
analise de tal realidade humana, dentro e fora da Psicologia: existe a
História, a Antropologia, a Sociologia, a Filosofia. O homem é
interdisciplinar e não há como esgotar esse entendimento através de
qualquer pretensão de uma única visão. Porque tais contribuições são
plurais, isso não significa anular as suas próprias construções. O
Homem é diálogo e toda a reflexão racional que busque dizer aquilo que
ele é talvez tenha que partir do diálogo.
Nos tempos atuais, psicoterapias que exaltam a capacidade do homem
de olhar para si de uma forma mais destemida e mais responsável, dando
a ele um domínio maior de ação, têm sido mais disputadas. As pessoas
estão, cada vez mais, procurando tratamentos que as levem a se
responsabilizar mais por elas mesmas, entender a trama em que se
envolveram na vida, buscando soluções mais ligadas ao presente, livres
de tantas abstrações. Um olhar presentificado é o que se procura mais
fortemente hoje, na tentativa de, mais do que resolver problemas
diários, compreender e assumir as rédeas de sua vida.
Existencialmente falando, o individuo deve se responsabilizar por si e
pelos outros, e deve ser levado a assumir a completude de sua
liberdade. “Terapia é pedagogia: cura e educa e nesse processo existe
necessariamente a presença do outro.” ( Bornheim,em Erthal,1992)
A Terapia Existencial procura obter respostas especificas a
perguntas especificas: Como o individuo escolheu viver a vida que
vive? Como este sujeito experimentou a sua situação, de maneira única,
propriamente a sua e de mais ninguém? As respostas dos deterministas
se baseiam nas estruturas genéricas, mas isso não leva à compreensão
de um exemplo individual. Não se pode reduzir uma pessoa a um único
conceito explicativo genérico. Cada pessoa realmente tem uma forma
própria de viver a situação escolhida. Não se trata de fazer o
individuo tomar consciência de si, pois ele é um ser auto-consciente
sempre nesta filosofia; trata-se sim de fazê-lo tomar conhecimento de
si ( nem sempre a consciência é cognoscente). É a descoberta do
Projeto Original: o que determinado individuo fez de si mesmo.
Cada escolha representa a minha decisão sobre a espécie de homem que
eu sou, a vida que levo, o mundo em que vivo. Tais escolhas não são
episódicas, mas, ao contrário, integram-se às demais em uma
totalização em curso. Em um ato, por mais simples que seja, representa
a pessoa inteira, expressa toda a realidade humana. Cada gesto
representa o que somos inteiramente. Não vemos o individuo como uma
coleção de traços (temperamento, desejo, emoção…), mas como uma
unidade sintética. Dessa forma, o individuo não possui potências
ocultas, revelando um aspecto de si de cada vez, enquanto as demais
repousam. A realidade humana se anuncia pelos fins perseguidos
(projeto). Não é o passado que determina quem somos, mas o futuro.
Isso não quer dizer que a história não faça a sua contribuição, mas o
peso é diferente do que em outras abordagens. Ao homem cabe a plena
consciência de sua livre escolha, consciência de sua responsabilidade
e jamais ser visto como resultante de leis gerais. A sociedade humana
é uma “anti-phisis”: ela não sofre passivamente a presença da
Natureza,ela a retoma em mãos. Esta retomada de posse não é uma
operação interior e subjetiva; efetua-se objetivamente através da
práxis.
Apresentado este panorama geral sobre a terapia existencial,
estamos prontos para examinar alguns de seus conceitos e método.
A Filosofia tinha posto o conhecimento como um fim e a razão como
meio, construindo assim sistemas para chegar à essência das coisas.
Isso levou à perda de contato com a existência mesma. “a busca da
essência não é se não um artifício dos homens que tratam de fugir da
realidade, esquematizando-a; o pensamento não tem validade se não leva
em conta quem o pensa”(Kierkegaard,1941)
O Existencialismo se propõe ao enfrentamento com o individual,
irreptivel de cada ser, com sua existência. A famosa frase “A
existência precede à essência”, bem formulada por Sartre, expressa que
o homem se faz a si mesmo. Sem duvida, Kierkegaard foi o pai desta
idéia, mas sua obra pareceu perder-se, inicialmente; a ressonância do
seu pensamento só apareceu após a primeira guerra. Heidegger ouviu o
chamado e, de posse dos ensinamentos de Husserl sobre fenomenologia,
construiu o existencialismo alemão. Mas ele também não teve seguidores
imediatos. Após a segunda guerra, outro pensador influenciado por
Husserl, segue os passos de Heidegger e traz uma nova contribuição:
Jean-Paul Sartre. O Existencialismo não constitui uma escola ,mas uma
tendência a filosofar que se apresenta em diferentes lugares, através
de diferentes homens: na Espanha, Unamuno e Ortega e Gasset; na
Alemanha, Karl Jaspers; na França, Albert Camus e Gabriel Marcel;
Buber e Berdiaeff, assim como outros, também foram deixando suas
marcas.

1.Noção de Existência; núcleo básico do ser humano,o que realmente
fica se lhe retiramos todos os contingentes. É o que fica como ultimo
núcleo indefinível quando se tem prescindido de tudo que pode
enumerar-se ou qualificar-se, uma vez que a existência cria tudo isso
à medida do seu desenvolvimento.
2- Liberdade: o Existencialismo parte da premissa de que os seres
humanos não podem fugir à sua liberdade e que esta liberdade não é
feita ao acaso, mas como uma escolha responsável. Por ela o homem
escolhe o que quer ser e, assim, sua essência. O homem é o que se
projeta ser e não existe antes deste projeto. Sartre denomina Projeto
Original à escolha que a pessoa faz de si. “Liberdade é existência e
nela a existência precede a essência” (Sartre,1943,p.433). O individuo
se faz na medida em que é feito pela situação e pelos acontecimentos.
Ao mesmo tempo em que se define, é definido por outro e nessa mescla
de passividade e atividade, precisa reinventar-se sempre.
3-Consciência e transcendência: não sendo uma entidade, a existência
se constitui como uma relação constante consigo mesmo e com o mundo.
Esta relação se caracteriza por sua transcendência. No latim,
“existire” significa “fora de”, o que significa que existir é
transcender-se. O existir humano é continua criação, um poder ser. O
homem não está pronto, precisa construir-se e este processo não é
determinado por nada além dele mesmo.
A consciência é definida como um vazio que se desliza para o objeto a
que intencionalmente se dirige, na tentativa de se preencher. É uma
visão relacional tendo em vista que a consciência não existe sem
objeto, da mesma forma que o objeto não pode existir sem uma
consciência (princípio da Intencionalidade de Husserl). A consciência
é, então, mais um ato de captação do objeto nas formas de percepção,
imaginação, emoção, etc. A amplitude desta captação indica que a
consciência é sempre consciência do mundo.
“O ego não está formalmente nem materialmente na consciência. Está
no mundo- é um ser-do-mundo, como o ego do outro… É a consciência
que torna possível a unidade e personalidade do meu eu. .. A
existência da consciência é um absoluto porque a consciência é a
consciência de si mesma… O objeto está frente à ela com sua
opacidade característica, mas ela, ela é pura e simplesmente
consciente de ser consciente desse objeto, tal a lei de sua
existência.”( Sartre, 1936,p.22) Existe então a consciência
irreflexiva,de primeiro grau,que é uma consciência vaga, não
posicional de si; e a consciência reflexiva, ou de segundo grau, que é
a consciência de se ter consciência de algo.
4-O ser-no-mundo: o homem não existe só, nem em relação exclusiva com
sua corporeidade. Ele é um ser-no-mundo que cria o mundo, mas, ao
mesmo tempo, é criado por ele. O mundo e o homem são, na verdade, um
só; não poderiam existir à parte. O ser só existe na medida em que tem
um mundo e vai criando este mundo na medida em que é consciente dele.
O mundo é um conjunto de relações com os demais e com as coisas que se
vão tecendo na vida de cada ser à medida que ele vai desenvolvendo na
existência sua concepção de mundo e de si mesmo: seu projeto de ser.
5- A angustia e o nada: é um fato ontológico, uma característica do
existente como tal. A angustia de liberdade conduz o individuo a
procurar-se nas coisas, o que é uma maneira de fugir de si mesmo.
Longe de ser considerado um sintoma patológico, trata-se de uma
valiosa experiência já que, ao aparecer, nos faz conscientes de nossa
existência e nos obriga a vivê-la como tal. É o medo de nada, já que
diferente do medo, não tem um objeto especifico. Surge quando o nada
irrompe e comove o nosso ser. O nada é o que determina a existência
das coisas. Sartre nos diz: “O que conta em um recipiente é o seu
vazio interno.” É o que não existe que determina a construção do que
existirá.
6-Culpa: também ontológica, aparece quando o individuo falha na
realização de suas possibilidades, quando renuncia a sua liberdade e
se aceita objeto.
7-Método fenomenológico: método proposto por Husserl que se indignava
com a utilização do método das ciências naturais aplicados a tudo,
especialmente à Psicologia. Por meio da reflexão, podemos nos isolar
do exterior e dirigir nossa atenção à nossa consciência. O foco não é
o objeto externo, mas a vivência que temos dele, o ato mesmo pelo qual
o percebemos e o conhecemos. Isso livra a percepção das limitações de
perspectiva. O conhecimento é direto, intuitivo, sem necessidade de
qualquer significação, já que o sujeito e o objeto são um só e o
conhecimento se fixa no ato de conhecer. Mas para isso é necessário
colocar entre parênteses tudo o que possa vir a interferir neste
processo de captação; todo o nosso próprio estado psicológico. Chamou
este processo de redução fenomenológica que extrai tudo o que é
externo ao processo de vivência. Assim, conhecer absolutamente algo é
ser capaz de captá-lo em todos os seus aspectos e características. O
conhecimento comum capta apenas parcialmente, enviesadamente, enquanto que a forma proposta por Husserl capta o próprio ato captador: a consciência do objeto. O que se investiga e quem investiga, sujeito
objeto são um só, pertencendo à mesma corrente de consciência e,
portanto, podemos chegar a conhecer absolutamente. Se podemos chegar a
conhecer absolutamente o ato de conhecer, podemos chegar ao
conhecimento absoluto do objeto. Como método terapêutico, é uma forma
de captação da realidade do cliente, tal como é vivida por ele,
através do seu olhar. Na verdade, esse é o maior objetivo da terapia:
a compreensão do mundo de cada sujeito, tal como ele o vivencia.
Ajusta-se, pois, como um método que estuda o individuo como
ser-no-mundo, como existente, e a captação do sentido do seu projeto
de ser.

Existencialismo na Psicoterapia:

“ Esta abordagem é baseada na compreensão do cliente como uma
totalidade; os fatos particulares nada significam. O objetivo é
descobrir as mediações para compreender o individuo concreto singular.
Procura compreendê-lo como criador do seu mundo e de si mesmo. Assim,
detectando os padrões comportamentais, chegamos ao projeto original
pelo qual o individuo se faz uma pessoa. O individuo se define por seu
projeto, por ser capaz de fazer e desfazer o que fizeram dele. O
objetivo é decifrar os comportamentos empíricos do individuo, isto é,
dar luz às revelações que cada um deles contem .”( Erthal,2010,p.210)
Seu ponto de partida é a experiência; seu ponto de apoio é a
compreensão pré-ontológica e fundamental que o homem tem da pessoa
humana. Tenta descobrir, de forma rigorosamente objetiva, a escolha
subjetiva pelo qual uma pessoa se faz uma pessoa. Para tal, usa um
método comparativo e descritivo, o método fenomenológico, como um meio
de compreender a realidade transformada em uma atitude terapêutica
fundamental. Cada conduta simboliza a escolha fundamental e, ao mesmo
tempo, cada uma delas esconde esta eleição sob seus caracteres
ocasionais e sua oportunidade histórica, de forma que é pela
comparação delas que chegaremos à revelação do que elas expressam..
Como a vivência é o ponto mais importante deste trabalho, a ênfase
só pode estar no momento presente. A concepção é do tempo dinâmico: o
presente não é estático, já que contem o passado e o futuro enquanto
percebidos pela pessoa. A grande importância da presença do terapeuta
está em que ele espelha as intenções de seu cliente; descreve seu
experienciar conforme expresso na relação. O terapeuta é a testemunha
ocular do compromisso que o cliente passa a estabelecer consigo mesmo.
Entre ambos existe uma ligação fundamental e nela se manifesta uma
modalidade de presença do outro irredutível ao conhecimento que se tem
do objeto. “O outro é, por principio, aquele que me olha.”
Sartre(1945,p.315) Este olhar remete o cliente a si mesmo.
“A compreensão empática é o pilar do encontro terapêutico.
Possibilita a percepção do sentido concreto e vivencial do mundo
pessoal que o cliente se atribui, permitindo a compreensão molar de
seu discurso. Não há uma analise reflexiva ou mediações lógicas, mas a
percepção sintética e imediata do vivido pelo cliente. A empatia é
essa comunhão afetiva na qual um se coloca no lugar do outro para
perceber o seu mundo fenomênico… A autêntica redução fenomenológica
se faz possível pela compreensão empática… (Erthal,2010,p.216)
Inicialmente, o terapeuta permite que parte de si se torne o cliente.
Depois,constrói um modelo para o cliente,uma replica de suas
observações e “insights” e transforma as palavras do cliente em
imagens e sentimentos de suas lembranças e expressões. Sua atenção
está focada naquilo que o cliente provoca nele através de suas
expressões verbais e não verbais…(Erthal,p.217)
A cura é a aceitação da condição humana (conjunto de limites que
informa a nossa situação no universo), que é o surgimento do ser no
nada. É encontrar em si mesmo os valores, é não fugir da liberdade
como tal, nem deixar-se escorregar pela desculpa da essência. De posse
do seu auto-conhecimento, o cliente se faz consciente daquilo que
deseja modificar em si mesmo, pois se sente com capacidade para
tal,seja mudando o seu projeto, seja usando outras maneiras de ser
para realizá-lo.
“As contribuições nucleares desta filosofia podem ser descritas como
liberdade, escolha, risco, angustia, culpa, etc, como expressões de
uma compreensão de si (em Kierkegaard), como expressão de uma busca e
uma filosofia da existência (Heidegger e Jaspers), e como preocupação de analisar a pessoa concreta e única (Sartre)”.( Erthal,2010,p.205)
Como expressões da aplicação deste pensamento à pratica clinica,
encontramos L. Binswanger, M.Boss, E. Minkowisky,V. Frankl, R. Laing.
Rollo May introduziu estes autores nos Estados Unidos, mas esta
importação sofreu uma aclimatação aos valores da cultura americana já
embebidas nas idéias humanistas.
Não podemos dizer que exista uma única terapia existencial, mas
varias formas de colocar seus pressupostos em prática. Assim como na
filosofia existe uma unidade nas aparentes divergências, nas diversas
modalidades de terapia existencial isso também ocorre. A diferença
radica na forma como o terapeuta compreende o processo e o centraliza
na prática. Binswanger define terapia como “um tipo antropológico de
investigação cientïfica, isto é, em que está dirigido à essência do
ser humano” (1958,p.191)Utiliza-se da conceitualização heideggeriana.
Yaloom nos fala do confronto do individuo com os dados da sua
existência que, para ele, constitui o conflito dinâmico existencial.
Uns se apóiam no conhecimento filosófico de Heidegger, outros em
Kiekegaard, ainda que outros, em Sartre.
A questão não está em qual filosofia é melhor, mas qual prática se
ajusta mais a minha forma de enxergar o ser humano. Como Sartre mesmo
diz, “Não importa muito aqui que exista a psicanálise existencial
(como ele definiu); o importante para nós é que seja possível”.
(1988,p.46)

Referências bibliográficas:

Binswanger,L. The Existential Analysis School of Thought. In: R. May
et al, Existence, New York, Basic Books, 1958.
Bornheim,G. A Vez do Leitor. In: Tereza Erthal, Contas e Contos na
Terapia Vivencial,Petrópolis,Vozes Editorial,1992.
Erthal,Tereza. Trilogia da Existência. Curitiba, ed. Honoris Causa,2010.
Kierkegaard,S. Tratado dela desesperacion. Buenos Aires/Santiago, Rueda,1941.
Sartre,J.P. L’Être e tel Néant. Paris, Gallimard, 1943.
Sartre,J.P. La Transcendance de L’ego. Paris, Recherches Philosophiques,1935

O que tem sido feito com a nossa consciência.

Hoje escrevo sobre a industria do espetáculo. Chama-me muito a atenção sobre a violência e a degradação com a qual toda consciência tem sido alimentada por “degenerados” obcecados pela idéia de fazer fortuna. Parece existir uma estranha fascinação pelo profano e pelo macabro de pessoas ignorantes que vem sendo enfraquecidas com a segurança, o conforto e o luxo do século e que já não encontram nenhuma satisfação em si mesmas. Necessitam cada vez mais de excitação para estimular sua consciência esgotada.
Abrimos os jornais, ou vemos na televisão e nas redes sociais, horrores antes inimagináveis. Pessoas chutando cachorros de estimação até a morte, outros matando pintinhos em quantidades, outros matando seus parceiros, pais, filhos, etc. Sinto-me invadida por uma onda de violência que me traz asco e tristeza. Noticias diárias que me fazem questionar pra onde foi a humanidade; aonde está a dignidade e o respeito pelos demais.
As pessoas vem sendo alimentadas com os piores cenários possíveis pelo cinema, TV, livros e a mídia sensacionalista e se queixam de que a sensação de segurança de que antes desfrutavam agora foi destruída. Vejo pessoas atualmente protegidas por trás de cercas elétricas, muros altos, vigiadas por guarda-costas que traiçoeiramente assassinam pessoas que estão sob seus cuidados. Vejo hoje homens e mulheres que antes caminhavam sem medo à noite pelas ruas das cidades e pelas trilhas dos campos, agora se trancarem atrás de portas de segurança, temerosos dos mais desprezíveis e brutais ataques. Povos traumatizados pelos seus próprios compatriotas, genocídios, revoluções, bombardeios, assassinatos e matanças gratuitas de todo tipo. A vida transformou-se num inferno que as pessoas descrevem na televisão, cinema e literatura. Por quê? Porque a chamada “cultura” civilizada permite que a brutalidade, em todas as suas formas pervertidas, entre nos lares por meio da televisão, produzindo o estimulo, a excitação e a violência. Ninguém está imune a estes males e todos somos responsáveis por eles.
Todos lembram das Torres Gêmeas e o que aconteceu naquele 11 de Setembro. Na verdade,esta cena já havia sido mostrada em um filme americano. Já pensaram em quantos exemplos as pessoas imitam e às vezes sem mesmo perceber? No mínimo uma espécie de raiva ou um comportamento agressivo elas expressam diante do nada. É o bombardeio diário.
Se a vida das pessoas fosse verdadeiramente tão horrível como são aquelas mostradas nos programas de entretenimento a que elas assistem diariamente, dariam as costas às suas telas em busca de algo mais bonito e tranqüilo para descansar seu sistema nervoso torturado. E se você refletisse com sinceridade sobre as condições atuais de sua vida, perceberia que estas já se transformaram em uma amedrontadora imagem-espelho do que toda a industria do espetáculo deu a você nos últimos cinqüenta anos.
Em meu consultório tenho visto o reflexo de tudo isso nos medos, baixa-estima, pânico e uma superficialidade incrível. Muitas pessoas nem sabem dizer o que sentem quando indagadas. O olhar está sempre fora, dirigido para algo que não ela mesma. Perdeu-se o centro de referência! Muito triste ver tudo isso acontecer!
Hoje o tema de debate é a novela “Avenida Brasil”. Nada contra. Os atores estão desempenhando o seu melhor no papel exigido, mas a história tem levado as pessoas a torcer até pelos “bandidos”. Uma espécie de anti-herói tem se formado, o que talvez traga à pessoa uma espécie de identidade diferenciada. Onde estão a moralidade e a ética? Sinto que isso nem é questionado. Apreende-se e aprende-se por osmose. Toda a base de questões inteligentes, que levam os outros a pensar, a edificar, já não existe mais.
Quando as pessoas despertarem verdadeiramente para o que tem sido feito com as suas consciências em todo o mundo pelos magnatas ambiciosos, inescrupulosos e degenerados, elas sentirão muita raiva. O publico começará a reconhecer as formas insidiosas pelas quais vem sendo seduzido para que caia nas redes da abominação. Quando isso acontecer,você não achará a palavra “abominação” antiquada e fora de moda. Você perceberá a diferença entre as formas de consciência vivificantes e os padrões de consciência destrutivos. Os valores éticos ensinados nas escolas precisam ser questionados. Não são as religiões que tem que ser ensinadas nas escolas,mas um tipo de filosofia pra vida, as atitudes, as reflexões, os conflitos e as afirmações apoiadas ou toleradas nas escolas do futuro, tanto pelos professores quanto pelos alunos. A ênfase então será no ensino de idiomas, artes, lógica, a arte de comunicação eficaz e inspirada, do desenvolvimento da imaginação criativa e construtiva, da matemática, das ciências e das habilidades manuais. Deveriam as escolas mostrar à criança infeliz como a alegria e a felicidade podem ser alcançadas e ela será recompensada com o sucesso.
Será isso possível? Sim, não é uma utopia, mas para que tudo isso aconteça é necessário a volta do olhar introspectivo. As questões somente surgem quando estão sob este olhar. Quando isto acontece, gera a possibilidade de busca de níveis mais elevados de pensamento e do interesse em servir os menos favorecidos e da comunidade em geral. Apenas desta forma se construirá uma sociedade melhor e mais humana.
Olhe para os seus próprios processos de pensamento, suas próprias atitudes diante da vida, seus sentimentos em relação aos outros e a si mesmo, e descubra em que tipo de pensamento e expectativas você entra normalmente. Se voce tem passado por más experiências constantes, examine-se e verifique qual o tipo de expectativas negativas sua mente nutre. Você não é a vitima do seu destino- até que compreenda que a sua consciência é completamente moldada por você mesmo, é vitima de sua própria consciência criativa.
Portanto, a resposta mais eficaz para enfrentar os difíceis tempos atuais é o exame de nossas próprias convicções. Mudar não é sinônimo de fraqueza! Somente os fortes são capazes de se revisar. Desejo boa sorte e força pra todos aqueles que estiverem entrando neste processo.

Precisamos nos rever a cada instante

Recebi um video, feito por Luis Henrique Brick, representando um cliente que apresento no livro Contas e Contos na Terapia Vivencial. Trata-se de um padre que apresentava um conflito entre o amor por Deus e o amor por uma mulher. O cliente da historia aprendeu sobre si dentro de um referencial religioso e misturou-se a ele. Sua religião ,assim como a forma de expressá-la, era uma maneira de conseguir aprovação,de poder ajudar aos outros e a de ser um homem-deus. Para reconstruir sua vida,tinha ele que reconstruir sua imagem. No choque entre as escolhas que se apresentavam a ele,viu-se obrigado a se olhar. Poderia sentir a sua fé,mas não precisava torná-la tão esmagadora. O Deus que o amava poderia compreender o seu homem. Foi ai que inventou uma saída e pode reconduzir sua fé de uma forma mais humanizada.
Este caso traz reflexões importantes sobre a moralidade vigente. A moral sempre foi imposta de uma forma normativa numa cultura. Questioná-la implica em ficar à margem da maioria.É que a moral tradicional pretende-se eterna e estável, embora a normatividade seja falsificadora da liberdade humana. O individuo, sendo um artífice de si mesmo, precisa se reinventar sempre. Nada está pronto e o que nos é imposto precisa passar pelo crivo da subjetividade. Devemos discriminar entre os valores que adquirimos, e nem pensamos se nos faz bem,e aqueles que realmente criamos. Devemos avaliar o conjunto de leis morais: o certo e o errado, o bom e o mau, são expressões de uma época, assim como de uma vivência particular. Claro que existem valores mais universais por expressarem dados mais aceitáveis pela maioria( não machucar os demais,por exemplo),mas ainda assim é necessário questionar se acreditamos e levamos pra nossa vida prática. Um mergulho no próprio eu se faz necessario e é o único centro de referência adequado.
Somos os criadores do mundo em que vivemos, assim como criadores de nosso eu. O que escolhemos é o que somos. Se quisermos ser felizes,temos que mergulhar nestas águas profundas e fazer a viagem. Não há o que temer. Somos perfeitos e podemos acreditar que quando entramos em contato com este núcleo, só recolhemos coerência, alegria, ausência de dor.
Isso me faz lembrar algo que aconteceu comigo há alguns anos: tinha uma consulta com um médico e fui sozinha. Lá,ao contar o que se passava comigo,chamei o médico de “você”.Sua resposta foi bastante estranha,pois me corrigiu e disse que era para eu lhe chamar de “senhor”, que a esposa trabalhava com ele,embora ali não estivesse naquele momento.À medida que falava, focava a sua atenção no rótulo e perdia a atenção em mim,naquilo que tinha ido buscar. Senti uma espécie de empurrão e já não tinha interesse em continuar a consulta. Tinha vinte anos e pouca vivência pra explicar o meu ponto de vista. Ele parecia estar mais preocupado com a forma como eu o tratava do que com a sintomatologia apresentada. Será que ele se sentia mais respeitado com o “senhor”, ou será que temia a atitude de sua mulher? De qualquer forma,ele não seria o meu médico. Tratava meu pai de você sem susto,pois o que eu aprendi com ele foi ter atitude de respeito. Este exemplo demonstra como aprendizagens entram em nosso sistema sem nem mesmo questionarmos. O que este médico conseguiu foi perder um cliente, pois me senti criticada, o que acabaria com a minha espontaneidade.
Assim são as pessoas com seus repertórios de respostas. Elas reagem segundo uma serie de normas e valores que adquiriram e nem se dão conta de que precisam se atualizar,exatamente igual a um computador.
O conhecimento interior consiste naquilo que pode ser simbolizado. O individuo reage ao mundo conforme o percebe e o experimenta. Este campo de percepção é a realidade do individuo, não reagindo ele a estímulo externo, nem aos seus distúrbios internos,mas à experiência. É a realidade subjetiva que determina seus comportamentos. Isto explica porque as pessoas reagem diferente à mesma situação.
Algumas percepções são comprovadas, ou o são de forma inadequada levando o individuo a comportar-se não realisticamente e, às vezes, até em detrimento próprio. É importante saber como pode uma pessoa distinguir entre uma imagem subjetiva, que não seja a realidade, daquela que o é. Este é o paradoxo da fenomenologia. Na verdade, o que ela experimenta, ou pensa, ainda é uma hipótese que deverá ser comprovada, ou não, em função da comparação advinda de muitas fontes de informação. Ele ainda não aprendeu em confiar apenas em si mesmo, coisa que virá com a experiência e maturidade. O auto-conhecimento não se faz sem luta ou sofrimento, mas quando se os aceita plenamente, a capacidade de auto-criar-se aumenta.
A percepção é seletiva e o critério básico para a seleção é a coerência com a auto-imagem do momento. É a auto-imagem que determina os tipos de experiências que serão aceitas. Sentimentos rejeitados podem expressar-se por meio de uma simbolização distorcida, para manter a imagem inalterada. Poderia uma pessoa negar uma ameaça à auto-imagem sem primeiro ter conhecimento da ameaça? De acordo com C. Rogers, tal conhecimento pode ser sub-aceito, isto é, aparece num nível de discriminação abaixo do nível de conhecimento, o que para Sartre é chamado Consciência pré-reflexiva. A ansiedade é o sinal de perigo que aciona todo o mecanismo de afastamento, tudo pra manter a consitência da imagem. O que fazer? Sob condições não ameaçadoras à estrutura do eu, as experiências, antes negadas, podem ser revistas. Quando uma pessoa aceita todas as suas experiências, necessariamente se torna mais compreensivo com os demais. Seu antigo sistema de valores passa a ser revisto e é substituído por um mais atual. Um ajustamento saudável deve ser aquele no qual a pessoa avalia constantemente as suas experiências para averiguar se requerem mudança. A rigidez impedirá que ela reaja eficientemente a novas experiências. Muitos conflitos surgem deste viés. Como seria mais fácil se houvesse auto-conhecimento! Esforço é necessario pra isso.É hora de examinarmos as nossas escolhas na vida. O que de fato é meu? O que ganho com isso? Por que me sinto mal com esta ou aquela expressão e não consigo sair dela?
Se pararmos para olhar, veremos que a maior parte dos problemas vem de uma comunicação anterior errada, ou , pelo menos, incoerente conosco. Portanto,mãos-à-obra! Construa a sua vida! Não permita que nenhum sistema normativo indique pra você uma resposta, sem antes avaliá-la. Somos deuses criadores e nosso mundo depende desta conscientização.

Observção: O caso citado consta no terceiro livro da Trilogia da Existência,ed. Honoris Causa. O vídeo gravado pode ser visto. Caso você se interesse, mande um email para [email protected]

SER OU NADA

Tereza Erthal em parceiria com Jean-Paul Sartre

No fundo de cada um de nós
Há uma enorme fissura que tentamos esconder
Divisões que nos remetem a defesas
Pela própria dificuldade de ver.

Censurados por nossos fracassos,
Angustiamo-nos por errar.
Pois, se confessamos o erro,
Somos ingênuos e fracos,
Todos vão se aproveitar.

Papéis são distribuídos
Para todos representar
Se os negamos,somos destituídos
Desta louca sociedade milenar.

Oscilamos entre nos preferir a tudo
E a de preferir tudo à nossa consciência.
Nesta escandalosa aventura
Ignoramos nosso centro de referência.

Acusamos e somos acusados;
Julgamos e somos julgados.
De dualidade em dualidade
Perdemos de vista a verdade.

Um hábito se estabelece:
Julgamo-nos culpados quando somos inocentes.
Vivemos,por isso,acuados,
Ninguém sequer se arrepende.

A exigência é a coragem,
Escolha e responsabilidade
Pra romper esta engrenagem
E findar a dualidade.

É um erro tão profundo
Que nos vai fazendo sofrer;
Não podemos ceder ao mundo
Nosso direito de viver.

A maior escolha aparece,
Ainda que tão calada:
Ou nos elevamos ao Ser,
Ou nos abismamos no nada!

Vivemos num mundo de dualidades. Desde cedo aprendemos a diferenciar certo e errado,claro e escuro,fracasso e sucesso,amor e ódio,etc. Todos os conceitos ensinados passam por esta dicotomia levando-nos a pensar que devemos escolher entre apenas duas posições extremadas. Nenhuma alusão é feita a um continuo de intensidade que permitiria uma postura mais idiossincrática. Tal radicalização, além de encurtar a visão perceptiva, provoca defesas constantes, uma vez que divisões internas sempre causam um enorme incômodo. É como se aprendêssemos que se não conseguimos o extremo sucesso,estamos na posição de fracasso e isso é muito difícil de encarar. Isso ocorre em qualquer tipo de escolha: se não estamos em uma relação amorosa,fracassamos na arte da conquista ou manutenção; se não temos um trabalho gratificante é porque somos um fiasco curricular; se não temos um bom status,somos “pobres” figuras que não conseguiram o sucesso…As cobranças,muitas vezes irreflexivas, surgem deste parâmetro.
Se mantivermos esta visão distorcida,na qual vemos o mundo com esta ótica dicotomizada, mal conseguimos perceber o quanto de aprendizagem perdemos com os pequenos e intermediários momentos da vida. Preocupados em atingir o sucesso, ou o resultado esperado, deixamos escapar o processo,muito mais importante na obtenção de ferramentas necessárias para a completude de novas metas.
As pessoas estão muito preocupadas em chegar ao ponto final, mais do que perceber que, embora um objetivo tenha sido traçado,outro pode aparecer no caminho e contribuir com um prazer inesperado. Mais ainda, quando estamos conscientes do caminho, damos-nos conta de que muitas vezes a meta a ser atingida é uma enorme armadilha pra justamente não ser cumprida: projetando metas inalcançáveis, confirmamos nossa incapacidade de consegui-las.
Costumo dizer que se apreciamos a paisagem durante o trajeto,entramos em contato com variados mecanismos nossos de sabotagem ou de encurtamento de vias pra chegar ao fim. Como poderemos nos aperceber disso se só temos olhos para o resultado final? E que fracasso em não atingi-lo!
Um outro ponto importante é a avaliação que muitos aprendem a fazer de seu erro: um erro é sentido como fracasso, ao invés de entender que o fracasso é especifico àquele comportamento e não representa a pessoa toda. Este é o reflexo da tal dicotomia.
A preocupação excessiva com a avaliação dos outros cria uma espécie de mascaras sociais ou papeis que aprendemos a desenvolver. A consciência cede lugar a uma escala de preferências externas na tentativa de assegurar a aceitação. Desistindo da autoconstrução, sofremos de identidade inautêntica e esperamos constantemente por agrados condicionais. A saída é a consciência, nosso principal centro de referência. Da coragem de arriscar algumas respostas diferentes do menu de extremidades, vamos,aos poucos,fortalecendo este centro. Uma porta se abre e o continuo de possibilidades passa a fazer parte do cardápio. A confiança cresce, as reflexões se ampliam e a escravidão a uma forma de olhar sucumbe. Vários olhares, varias escolhas, contudo um único centro,agora mais confiável. Descobrimos então a incondicionalidade; somos apresentados ao mundo relativo onde só há um único imperativo absoluto: a nossa consciência reflexiva.
Não há o que perdoar; não há certo ou errado. O que existe é a abertura para enxergar o mundo tal como se apresenta à nossa consciência. Tudo o que escolhemos,ainda que não dê certo, é o melhor pra nós naquele instante. Assim, a maior escolha e a mais necessária é a escolha de si, por si e para si. Podemos então entender a máxima sartriana: ou nos elevamos ao Ser, ou nos abismamos no Nada. Faça a sua escolha.

Psicoterapia Existencial-Humanista não existe.

Terapia Existencial-Humanista não existe.

Muito se tem comentado sobre a abordagem existencial em Psicoterapia e a variedade de práticas dela decorrente. As contribuições nucleares desta filosofia podem ser descritas como liberdade, escolha subjetiva, angustia, desespero e risco como expressões de uma compreensão de si ( Kierkegaard); como expressão da busca de uma filosofia da existência ( Heidegger); e como preocupação de analisar a pessoa concreta e única ( Sartre). Psiquiatras como L. Binswanger, M. Boss, V. Frankl, R. Laing e Cooper são algumas expressões da utilização do pensamento existencial em suas práticas clinicas. Alguns foram menos conhecidos na comunidade psicoterapêutica norte-americana porque não eram pensadores pragmáticos e por causa da natureza obscura de seus escritos. R. May introduziu tais autores nos Estados Unidos e esta importação conceitual teve que sofrer uma espécie de “aclimatação” aos valores da cultura acadêmica norte-americana, já embebida nas idéias humanistas em psicologia quando isso ocorreu. A partir daí, uma enorme confusão surgiu entre a abordagem existencial e a humanista que persiste até nos dias de hoje. Surgiu inclusive um termo “Existencial-Humanista” referido à união entre tais práticas. Contudo, embora muitos conceitos e até o clima de “setting” sejam parecidos, as diferenças são bem claras e se refletem na postura e papel do terapeuta. Em alguns pontos estas abordagens são potencialmente contraditórias e incompatíveis. Da mesma forma, existem terapeutas que dizem usar em suas práticas tanto a abordagem existencial como a psicanálise. Isto me parece mais absurdo, pois a filosofia em que ambas se apóiam é extremamente divergente, a começar pela visão do ser humano: a psicanálise é determinista, enquanto o existencialismo se apóia na liberdade de criação do eu.
Dentre as práticas existenciais encontramos aqueles que seguem os conceitos de Kierkegaard, outros os de Heidegger e ainda outros, Sartre. Talvez a menos conhecida na América seja a contribuição de Jean-Paul Sartre. O fato de existirem estes três filósofos como base não significa que o Existencialismo seja dividido, mas os profissionais que aderem à abordagem são especializados em psicoterapia e se esforçam para desenvolver a sua prática clinica autonomamente. Cada um desenvolve uma forma peculiar de colocar seus pressupostos em prática.
Não falamos de um sistema fechado, mas, principalmente, de uma atitude para com o ser humano no sentido de fazê-lo atingir a existência autêntica, de ajudá-lo a descobrir o que o impede de utilizar a sua liberdade de autocriação.
A Psicoterapia Vivencial é a abordagem existencial sartriana que vê o individuo como criador de si mesmo e de seu mundo. Utilizando o método fenomenológico, procura compreender a pessoa como ela realmente é, pois detecta padrões de comportamento para chegar ao projeto original pelo qual o individuo se faz uma pessoa. Cada ato simboliza o projeto e, portanto, comparando cada um deles chegamos a como o individuo aprendeu a se construir. O individuo se faz na medida em que é feito pela situação e pelos acontecimentos. Ao mesmo tempo em que se define, é definido por outro e nessa mescla de passividade-atividade, precisa se reinventar sempre. Ele não está pronto, como os essencialistas acreditam, mas se constrói a cada momento. Contudo, precisa tomar o controle deste processo, sabendo-se livre para dirigir o seu destino. O meio pode agir sobre o sujeito, mas para isso ele precisa percebê-lo como importante. O foco será sempre o olhar perceptivo. Certo é que existe uma constituição passiva que por si só representa um condicionamento abstrato,a proto-história. Entretanto, antes mesmo da adolescência, existe uma construção que irá se dar em cima desta proto-história: uma ambigüidade se instala nessa constituição expressa na forma singular de superar ou não esta passividade. As estruturas da família são internalizadas como atitudes próprias e mais tarde questionadas, aceitas ou ultrapassadas. Assim existem aqueles que conservam aquilo que o mundo fez deles, e os que o ultrapassam, escolhendo desenvolver seus próprios valores. Embora a família seja o depósito do conjunto constitucional traduzindo os conflitos da época, precisamos ressaltar que a família é o passado. O continuador passivo faz da infância a matriz de todas as explicações,mas a infância não pode ser vista como causa da vida adulta, pois embora inicialmente o individuo seja o resultado do que faz dele um constituído, através da ação ele mesmo supera a passividade do resultado. O individuo se define por seu projeto, por ser capaz de fazer e desfazer o que fizeram dele. O projeto proporciona a base de todos os seus atos e experiências.
Como a experiência é o foco deste trabalho, a ênfase somente pode ser dada no presente: estar no aqui e agora é descobrir um significado para a própria vida. O tempo linear é substituído pelo tempo dinâmico de Einstein: passado, presente e futuro estão numa linha vertical e se encontram no momento presente. Com isso percebemos que não há lugar para a interpretação, mas o foco é a compreensão que se mostra descritiva da realidade do individuo. Assim,a compreensão empática é o pilar deste encontro, o que possibilita a percepção do sentido concreto e vivencial do mundo pessoal a que o cliente se atribui. A empatia é a possibilidade intersubjetiva do vivido e, portanto, a essência do método fenomenológico. A atenção terapêutica está colocada não no cliente como objeto terapêutico,mas na percepção e sentimento que o cliente provoca no terapeuta.
O principal objetivo da psicoterapia Vivencial é maximizar a autoconsciência para fomentar a possibilidade de escolha; ajuda o cliente a aceitar os riscos e responsabilidades de suas decisões e, acima de tudo, aceitar a liberdade de ser capaz de usar suas próprias possibilidades de existir.
Ainda que as diferenças na clinica sejam apenas em grau, diferenças maiores surgem quando relacionadas com a abordagem humanista. Nesta há a crença na potencialidade humana, algo que uma pessoa já tem e que precisa ser atualizado. O papel do psicoterapeuta seria o de catalisador da potência, fornecendo um clima de aceitação para que surja o que se possui. Já o psicoterapeuta existencial é mais um instigador das vivências, pois por acreditar que uma pessoa nada possui antes de sua existência, instiga-a a criar seu próprio repertório de respostas, construindo o seu eu a partir de suas experiências. Desta forma, a visão humanista é considerada essencialista e, por isso, bem diferente do existencialismo. Ambas concordam que o instrumento básico seja a conscientização do cliente, mas a forma de operar esta verdade é através do papel de apoiador ou catalisador no humanismo, ou de instigador e frustrador no existencialismo. Quando se acredita na capacidade do cliente de inventar a si mesmo, e de refazer a sua história através da revisão de seus projetos, o terapeuta tem uma atitude mais ativa, convidando o cliente a perceber as formas que o impedem de ser livre. É estimulado a inventar novas respostas ou saídas, ao invés de dar a mesma resposta a diferentes problemas e nessa invenção, inventa-se a si mesmo.