A entrada do Outro no horizonte de minha existência
( extrato do livro de Tereza Erthal e Luis Veríssimo, intitulado Sobre o amor, a paixão, o olhar e as relações humanas, da editora Appris)

Poderia existir uma consciência no mundo sozinha? Tudo indica que isso seja impossível, pois cada homem existe no mundo com outros homens. Husserl afirmava que o mundo de cada um é constituído pela subjetividade de todos, a chamada intersubjetividade. Sartre diz que ¨necessito do outro para captar plenamente todas as estruturas do meu ser.¨( O Ser e o Nada,p.290)
Descubro a mim mesmo, e, ao mesmo tempo, os outros; apreendo-me perante o outro. Só posso ser alguma coisa se descubro tambem o outro. O outro é indispensável ao conhecimento que tenho de mim, e, juntamente com a liberdade, constitui a própria condição de minha existência. É como se a existência do outro fosse colocada diante de mim. No mundo da intersubjetividade é que descubro quem sou e o quem são os outros. Uma pessoa escolhe perante os outros e se escolhe perante o outro. Ela quer obter a liberdade em cada situação particular, mas descobre que depende da liberdade dos outros, da mesma forma que os outros dependem da liberdade dela.
Chego ao conceito de ¨meu mundo¨, somente quando chego ao conceito do ¨mundo do outro¨: a presença do outro em meu próprio mundo, como consciência, ao invés dos objetos que se agrupam ao redor, traz-me uma nova orientação. Se na minha paisagem não houvesse alguem,mas apenas objetos, o mundo teria somente a mim como centro.
Quando o outro se introduz no horizonte da minha existência, retira-me do meu centro, como se costuma dizer, ou, como observa Suzanne Lilar, podemos levar em conta que ¨sou o centro que nesse momento se descentra: esse é o ser que eu sou para o outro¨. Dessa forma, o outro me capta como objeto. Leva-me para um escoamento de meu ser em sua direção, e é neste instante que o Para-si se situa no mundo. Uma referência aparece. Se vivo sozinha numa ilha, minha condição de conhecimento de mim é estabelecida pelo possível diálogo que estabeleço comigo mesma. Sou pura subjetividade. Se alguem aparece por lá, sou puxada pra fora, escapo de mim mesma. O mundo a minha volta, do qual sou o centro, sofre uma desorganização, já não sou apenas subjetividade, mas tambem apareço a mim como objetividade.É este olhar do outro que me objetifica, que me faz existir concretamente. Aparecendo a mim como objeto, dependo do outro. Sozinha eu não teria condiçõs de me enxergar. Como poderia me avaliar como generosa se não pelo contato com o outro? Esta é uma referência necessária para que eu saia do meu mundo encapsulado, imerso em representações familiares, e me olhe no espaço ¨lá fora¨, ou sejja, a partir da relação.
Todos procuram fazer o outro de objeto e acabam por ter este projeto fracassado. A simples possibilidade de uma consciência é uma fronteira imposta em meu mundo. Na esfera do Para-si experimentando-se como Para-outro, primeiro tenho que adquirir o conceito de eu como objeto em meio ao mundo-para-o-outro para depois possuir o conceito de mundo-para-mim. Eu não era um objeto para a minha consciência até me aperceber que sou um objeto para o outro. O olhar toma forma ai, em Sartre. Ao perceber o olho que me olha, dou-me conta de que sou objeto deste olhar. O olhar do outro fornece a sensação de minha objetividade.

Obs. O termo Para-si, em Sartre, refere-se à consciência, enquanto que Para-si, aos objetos.

O livro do qual tal extrato foi retirado, é sobre o amor, a paixão e o olhar nas relações humanas, estabelecendo um diálogo com Sartre e com o Humanismo. É, portanto, um livro sobre as relações humanas, especialmente as afetivas. A afetividade é uma noção altamente complexa, sujeita a inúmeras interpretações. O problema é abordado pelos autores a partir das pontuações de Sartre acerca das relações. Tambem se propõe a estudar as relações humanas segundo uma ética humanista. A noção de alteridade é trabalhada tanto no campo das relações, como no de uma psicoterapia existencial.