A BUSCA DO HOMEM
Tereza Erthal

Sempre houve uma constante indagação a respeito do significado da vida. Qual a finalidade de tudo isso? Tem a vida alguma significação? Diante de tanta brutalidade, confusão, revolta, guerra, divisão religiosa, ideologias em choque, etc, pergunta o ser humano, com profunda frustração, o que é isso que se chama viver?
Na batalha constante chamada “vida”, procuramos estabelecer um código de conduta, de acordo com a sociedade onde fomos criados. Aceitamos um padrão de comportamento como parte de nossa tradição. Esperamos que alguém nos diga o que é certo ou errado, justo ou injusto e, na observação deste padrão, nossa conduta se torna mecânica, automática. Busca-se amparo em autoridades, livros, santos… Não somos originais. Temos vivido das coisas que nos são ditas, ou guiados por nossas inclinações, ou mesmo impelidos a aceitar as circunstâncias ou ambiente. Acabamos sendo o resultado de toda uma gama de influência, cerceando a nossa originalidade, forçando a mente a ajustar-se a padrões estabelecidos. O que se acha ai em meio a este ajuste? O que se acha é a conformidade com sua própria deformação.
O caminho ensinado tradicionalmente tem sido da periferia para dentro, ou seja, através do tempo, atingir gradualmente a íntima beleza e amor. Seria um processo de retirar as camadas, uma a uma, precisando do tempo, o amanhã, porque nossa mente se tornou embotada e insensível. Não haveria outro caminho, aquele que explodiríamos do centro?
O mundo aceita o caminho tradicional que aponta a realidade prometida por outrem, seja na profissão escolhida, na religião, na política, etc. Seguimos a todos que nos prometem uma vida confortável. Podemos até ser contrários à tirania política e à ditadura, mas interiormente aceitamos a autoridade, a tirania de outrem. Sua negação nos faria sentir como seres solitários, afastando a possibilidade de sermos seres respeitáveis.
Podemos rejeitar o caminho tradicional, mas ainda assim, se o rejeitarmos como reação, estaremos criando um padrão que nos aprisionará como uma armadilha. Não se trata então de uma simples rejeição o que funciona, mas a compreensão de quanto ela é estúpida e imatura, rejeitando com inteligência, porque somos livres. Tudo está relacionado ao buscar. A primeira coisa que temos que aprender é não buscar. Buscando, agimos como se estivéssemos apenas olhando vitrines.A compreensão de si próprio é o começo da sabedoria.
Krishnamurti diferencia ente humano de individuo: pra ele o individuo é local, o habitante de qualquer país, pertencente a alguma cultura, sociedade. O ente não é uma entidade local, pois está em toda a parte. Se agimos num só canto, isolados do vasto campo da vida, nossa ação está totalmente desligada do todo. O indivíduo é aquela insignificante entidade condicionada, aflita, frustrada; já o ente humano está interessado no bem estar geral, no sofrimento geral e na total confusão em que se acha o mundo. Psicologicamente o indivíduo não mudou em nada, ao longo da evolução. A estrutura da sociedade foi criada por indivíduos. O progresso exterior existe, pois passamos de carros de boi ao avião; contudo, a estrutura social exterior é o resultado da estrutura psicológica interior, pois o indivíduo é o resultado da experiência, da conduta do homem englobadamente. Cada um de nós é o depósito de todo o passado; toda a história humana está escrita em nós.
A cultura da competição com seu desejo de poder, de posição, prestigio, etc, tem originado muitos conflitos em todas as formas de relação, suscitando verdadeiros antagonismos. Mas esta vida é tudo o que conhecemos e não compreendendo a enorme batalha da existência, acumulamos medo e tentamos fugir da vida de diversas formas. Desenvolvemos o medo do conhecido, assim como do desconhecido, tal é a nossa vida diária. Nesta vida, qualquer filosofia representa uma mera fuga à realidade do que é.
Todas as formas de mudança produzidas pelas guerras, revoluções, revoltas e ideologias não conseguiram mudar a natureza do homem e, consequentemente, da sociedade. Poderíamos perguntar se esta sociedade baseada na competição pode terminar, não como conceito intelectual, mas como fato real. Creio que isso só ocorrerá se cada um de nós reconhecer o fato central de que, como indivíduos, como seres humanos, seja de qual parte do universo vivamos, não importando a que cultura pertençamos, somos inteiramente responsáveis por toda a situação do mundo.
Somos sim, cada um de nós, responsáveis por todas as guerras, gerada pela agressividade de nossas vidas, pelo nosso nacionalismo, preconceitos, ideais, pois é isso que nos divide. Somente quando realmente percebermos, não intelectualmente, mas realmente, que somos responsáveis por todo este caos, através das nossas vidas diárias e porque fazemos parte desta doente sociedade, só então podemos agir. Mas o que podemos fazer para criar uma sociedade totalmente diferente? Homens sofisticados no-lo tem dito, mas não nos levaram muito longe. Isso porque a verdade não tem caminho, daí a sua beleza; ela é viva. A verdade se move, não tem pouso, nem templo, nem instrutor, nenhum filósofo pode levar-nos a ela. Esta coisa viva é o que realmente somos- nossa irascibilidade, brutalidade, sofrimento em que vivemos. Na compreensão de tudo isso se encontra a verdade. A compreensão surge quando olhamos tais coisas de nossas vidas e não através de uma ideologia, conjunto de palavras, esperanças ou temores.
Não podemos depender de ninguém. Só existe nós, nossa relação com outros e com o mundo e nada mais. Mas ao perceber este fato, ou se produz um grande desespero, causador de pessimismo e amargura, ou, enfrentando o fato de que somos os responsaveis pelo mundo e por nós mesmos, desaparece de todo a autocompaixão. Adoramos culpar o outro, uma forma de autocompaixão.
Portanto, o importante não é uma filosofia de vida, mas observarmos o que de fato está acontecendo em nossa vida diária, interior e exteriormente. Podemos ver que tudo se baseia num conceito intelectual. Mas o intelecto não constitui o campo total da existência. Quando consideramos o que está acontecendo no mundo, começamos a compreender que não há processo interior e exterior. O que há é um processo total, sendo que o movimento interior se expressa exteriormente, e o movimento exterior, por sua vez, reage ao interior. É preciso apenas olhar e o ato de olhar não depende de nenhuma filosofia.
A maioria das pessoas não deseja mudar, principalmente os que se acham em relativa segurança, social ou econômica, ou que conservam crenças dogmáticas e se satisfazem em aceitar a si próprios e às coisas tais como são. Você pode dizer que é dificílimo e ai já fechou o caminho, já parou de se investigar. Outro diz que está na busca de um caminho para empreender esta mudança. Neste caso, não é a transformação que interessa, mas a busca de um método capaz de efetuar a mudança. A ordem imposta de fora gera, necessariamente, a desordem.
Temos que mudar completamente, desde as raízes de nosso ser. Quando rejeitamos algo falso que trazemos conosco há gerações, o que acontece? Ficamos com mais capacidade, mais ímpeto, mais intensidade e vitalidade. Se não sentimos isso, não largamos a carga, a autoridade. Necessitamos de uma ampla gama de energia e a dissipamos com o medo ( de não agir corretamente). Contudo, a energia que surge depois de eliminarmos todas as formas de medo, produz uma revolução interior.
Fiquemos a sós conosco mesmo, e este é o estado que convem ao homem que considera a serio estas coisas. Sem a ajuda de pessoas ou coisas, surgem as descobertas. Quando há liberdade, há energia; quando há liberdade, ela não pode fazer nada errado. Não há agir correta ou incorretamente, quando há liberdade. Por conseguinte, não há medo, e a mente sem medo é capaz de tudo, de um infinito amor. E o amor pode fazer o que quer.
O que agora vamos fazer é aprender a conhecer-nos, não de acordo com um analista ou filósofo; porque se o fazemos de acordo com outra pessoa, aprendemos a conhecer essas pessoas e não a nós mesmos. Vamos aprender o que somos realmente. Boa sorte nesta rica viagem!!!