Perspectiva Humanista do Amor
Tereza Erthal

Numa visão humanista, podemos admitir que o amor é uma escolha e um processo de transformação constante. O objetivo, como ser, é o amor universal, uma vez que o amor não pode ser excludente. Seu crescimento implica em sua abrangência. O amor por uma pessoa é capaz de despertar o amor por toda a humanidade. Mas, por outro lado, pode não passar de um mimo narcísico para os amantes. Em face disso, a filosofia medieval interpretava o sentido de totalidade amorosa como Deus. Dizia que amar alguém é amar uma pessoa em Deus. Fazia-se uma distinção entre o amor que se encerra em uma criatura e o amor como experiência totalizante- amar alguém como um elo inclusivo com todos os seres:
“ O amor a uma pessoa difere do amor a uma simples coisa. Amamos as coisas em atenção à nossa própria pessoa, a cujo serviço elas perdem a sua existência, como se sucede com uma iguaria que se ama e se consome…O amor puro, sincero e generoso a um ser pessoal, ao contrário, visa a pessoa como tal e a si mesma. O que não quer dizer que a caridade ( o amor de Deus) não atenda também ao seu próprio bem.
Amar sinceramente a outrem significa amá-lo como a nós mesmos, o que só é possível num plano de igualdade…”(Boehner, P. e Gilson,E. História da filosofia cristã.Ed. Vozes, 1991, p.189)
Se quisermos dizer que o amor enquanto relação amorosa é um crescimento de mãos dadas, precisamos completar tal sentença dizendo que isso pode ocorrer, mas a partir, igualmente, do desenvolvimento concomitante das singularidades. Duas pessoas não vão crescer da mesma forma e ao mesmo tempo. É necessário aceitar que cada uma delas está se comportando como pode naquele momento. É a sua jornada pessoal. Pessoa é um ser singular e um ser de relações, ao mesmo tempo. As relações são tecidas com o outro, com o mundo, com o meio ambiente, e, não raras vezes, com o que se intenciona com uma dimensão transpessoal, se a pessoa desenvolve uma experiência religiosa. Mas também o ser das relações remete à autorrelação, à relação consigo mesmo, ao diálogo da intuição com o pensar, do pensar com o sentir, do sentir com o desejo,… são como veias que correm em várias direções, que se integram como uma “gestalt”.
Na verdade, viver no amor é o maior desafio da vida. O amor não pode deixar de atuar até mesmo na ausência de um objeto, visando o distante, tornando-se uma espécie de nostalgia ou saudade do amor.
O amor precisa de liberdade para crescer- não de arbítrio, mas da responsabilidade implicada em cada escolha que envolve não só o eu como o outro, todo o tempo. Justamente por isso, não existe um amor certo como modelo único, mas muitas formas de amar. Através do autoconhecimento e do conhecimento do outro, o que não é feito por livros ou manuais de educação sentimental, mas forjadas pelas vias da própria existência, de uma afinação sensível que envolve EU-TU, descobre-se que o amor é algo construído na intersubjetividade e que na experiência amorosa há uma equalização do “ama ao próximo como a ti mesmo”, ou, o que dá no mesmo, amar a si mesmo é a condição de ´possibilidade de um amor ao outro.
“ Em suma, para termos amor próprio, precisamos ser amados. A recusa do amor- a negação do status de objeto digno de amor- alimenta a auto aversão.O amor próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros.” ( Bauman,p.100)
Estamos em algum lugar entre o conhecimento de si e a abertura para a inclusão do outro, entre amor ao outro e a autoestima. Na verdade, a existência implica ambos os pólos, sem solução de continuidade; por isso a formulação interessante de Buber, Eu-Tu, ser bastante boa pra ser incluída nesta relação. O amor pode ser considerado uma atitude que propõe a cada pessoa um salto qualitativo, em que não mais se vê enredada por uma lógica utilitária, em que ambos se consomem mutuamente, numa roda de embates regados pelo desejo de posse, cujo resultado é o visível tédio existencial. Desejo é amor da personalidade; conhecimento é amor pela verdade.
O amor é uma responsabilidade que temos para com o outro e é nisso que consiste a igualdade daqueles que amam. Não se trata de anulação das diferenças, mas uma afirmação de alteridade. Há um trecho da peça de Sartre, As Moscas, bastante oportuna para o que estou relatando. Aqui está a resposta de Orestes à Electra ( quando a irmã estima que o coração de Orestes é sem ódio), que dá a pensar, pois acreditamos que atinge algo de originário, lançando ao mesmo tempo luz e sombra no mistério que ronda a gênese do amor. Respondeu o herói: “Dizes bem: Sem ódio; e sem amor. Tu, eu teria podido amar. Teria podido…Mas quê? Para amar, para odiar, é preciso se dar.”

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